Ilhabela é parâmetro para a preservação da costa brasileira
quarta-feira, 25 de abril de 2012As preocupações com a manutenção da segurança ecológica da costa brasileira se justificam por sua intensa ocupação e expansão desde a colonização. A professora Rozely Ferreira dos Santos, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, mantém há mais de dez anos linha de pesquisa dedicada ao planejamento de sistemas costeiros através da ecologia da paisagem. Bióloga de formação, com doutorado em ecologia e livre docência em engenharia civil, ela vem orientando trabalhos que visam aprimorar conceitos e metodologias a serem utilizados no planejamento de sistemas costeiros, com o objetivo de encontrar respostas mais sensíveis e que permitam melhor comunicação com a comunidade.
“Nossas pesquisas têm a preocupação de desenvolver um estudo acadêmico que conduza a respostas sobre a qualidade ambiental de um território e que leve a indicadores de fácil compreensão pela sociedade, de modo que ela possa estabelecer debates com a academia e outros segmentos sociais. Análises essencialmente técnicas não sensibilizam a comunidade. É fundamental o diálogo entre planejador e sociedade em uma linguagem acessível ao cidadão comum, pois dele depende o sucesso de quaisquer empreitadas envolvendo o meio ambiente. É nisso que acreditamos e para isso trabalhamos”, afirma. As preocupações de Rozely se revelam extremamente pertinentes na discussão do novo Código Florestal do País.
Os mais recentes trabalhos orientados pela professora, alguns dos quais com a participação do professor Sérgio Meirelles, da USP, baseiam-se no conceito de serviços ecossistêmicos, que correspondem aos benefícios oferecidos pela natureza e utilizados pelo homem tais como água, alimentos, combustíveis, matérias-primas e todos os recursos fundamentais para a sobrevivência humana. Trata-se de um conceito muito utilizado atualmente e pressupõe uma interação dinâmica entre pessoas e ecossistemas, que direta ou indiretamente impulsiona mudanças mútuas.
Nessa perspectiva, a tese orientada pela professora Rozely e desenvolvida pelo oceanógrafo Guilherme Theodoro Nascimento Pereira de Lima apresenta estudos realizados na Ilha da cidade de São Sebastião, município de Ilhabela, que teve como objetivo identificar a relação histórica, ao longo de 500 anos, entre as forças indutoras das mudanças de uso e de ocupação da terra e os impactos decorrentes sobre a oferta de alguns serviços ecossistêmicos.
O pesquisador investigou, também, de que forma a complexidade de uma paisagem e sua trajetória de uso podem refletir na oferta de serviços ecossistêmicos. Correlacionando as estruturas da paisagem e a qualidade da água, ele mediu a degradação da oferta de três serviços ecossistêmicos – uso da água, controle da erosão e utilização para a recreação – relacionados aos recursos hídricos de cinco microbacias de diferentes características dentro de um gradiente de evolução história da paisagem.
Com efeito, esclarece a docente, a ilha observada por imagem de satélite dá a falsa impressão de possuir uma floresta boa, contínua e uniforme. Na realidade essa floresta resulta de um mosaico que abrange desde áreas bem preservadas, sem registro de ocupação humana, até outras que se recuperaram em diversos tempos ou ainda se recuperam, ou que se alteraram mais recentemente, caracterizando uma dinâmica muito grande entre espaços desiguais, de forma que cada fração do território corresponde a uma realidade histórica.
Metodologia
Diante desse quadro, Guilherme preocupou-se em entender qual seria a melhor forma de fazer o planejamento de áreas costeiras e desenvolver uma metodologia para avaliação dos serviços ecossistêmicos relacionados aos recursos hídricos, às forças motoras e aos vetores de mudanças em uma paisagem costeira. Como a floresta não é uniforme e sofreu várias interferências em suas variadas frações e chegou mesmo a ser praticamente devastada em algumas delas, emerge uma questão fundamental: quanto em cada fração do território se perdeu em relação aos recursos florestais e hídricos e como dimensionar essas perdas pela medida dos serviços ecossistêmicos? Mais: como as diferentes dinâmicas que envolveram a mata interferiram nos serviços ecossistêmicos para quem mora ou frequenta a Ilha? E ainda: como situar esses serviços em relação à própria conservação ambiental?
A perda de serviços pode ser avaliada monetariamente, como tradicionalmente se faz. No caso, o valor monetário está relacionado com o custo, por exemplo, do tratamento da água destinado a torná-la utilizável. No entanto, essa conta pode ser feita de outra forma. Comparando, por exemplo, as águas das microbacias nunca utilizadas com as extremamente usadas consegue-se medir o serviço perdido ou a distância do serviço ideal. Esse raciocínio vale para outros serviços ecossistêmicos como o estoque de carbono representado pela biomassa florestal. Essa lógica foi utilizada por Guilherme para o desenvolvimento da metodologia, que inova o cálculo dos serviços ecossistêmicos e sua aplicação em planejamentos de áreas costeiras.
Perda de recursos
Para responder mais detalhadamente às questões suscitadas por esse trabalho, a bióloga Vivian Cristina dos Santos Hackbart propôs verificar se a conservação de corredores fluviais e suas microbacias hidrográficas garantem a disponibilidade de serviços ecossistêmicos. O trabalho, orientado também pela professora Rozely e centrado na mesma região, deu origem à dissertação de mestrado.
A pesquisadora revela que os recursos hídricos são bastante sensíveis às perturbações causadas pelas ações humanas e estão significativamente relacionados à paisagem. Por isso, acha fundamental estabelecer as relações entre gradiente de conservação florestal de microbacias hidrográficas e disponibilidades de serviços relacionados ao rio, para então estabelecer o ponto crítico da degradação, ou seja, aquele a partir do qual as perdas de serviços seriam irreversíveis.
Na ilha ela procurou entender como funciona a dinâmica nas mesmas cinco microbacias hidrográficas em diferentes fases de evolução histórica estudadas por Guilherme. O gradiente de fases utilizado pelos pesquisadores descrevem as fases de: urbanização – áreas urbanizadas desde o início da colonização; exploração – áreas de expansão da urbanização em períodos recentes e que foram utilizadas para o plantio de cana e depois café; regeneração – áreas que no passado foram ocupadas por plantios, mas que atualmente apresentam florestas em recuperação em diferentes estágios de sucessão evolutiva; conservação – correspondente às regiões ocupadas no passado, depois abandonadas como campo, e que atualmente se encontram em bom estado de conservação florestal; e preservação – formadas por áreas sem registro histórico de ocupação.
Enquanto Guilherme trabalhou com essas microbacias inteiras, Vivian dividiu e analisou-as em duas zonas: a jusante e a montante da conta de cem metros, que em geral delimita a ocupação humana na ilha. Comparou então os serviços das duas zonas de uma mesma microbacia e correlacionou os dados dentro do gradiente de fases.
Através de análises de amostras de água coletadas acima e abaixo da cota estabelecida e na foz dos rios, em quatro épocas ao longo do ano, foram determinadas as concentrações de Carbono Orgânico Total (COT), Fósforo Total, Nitrogênio Total Kjeldhal (NTK), Turbidez, Condutividade, Sólidos Totais e Zinco. A variação da quantidade dos elementos químicos selecionados para análise identifica a ação humana ao longo dos cinco rios e nas diferentes fases de evolução de forma a indicar a perda de serviços. A ocupação humana nas regiões mais próximas à orla e suas atividades (domésticas e ligadas ao turismo) podem ser medidas pela elevação nas quantidades dos parâmetros analisados, em especial fósforo, Zinco, NTK, carbono, turbidez e condutividade. Nas áreas onde a vegetação apresenta um bom estado de conservação tanto o NTK quanto o COT estão, provavelmente, relacionados à degradação da matéria orgânica originada da floresta. Esse tipo de informação que relaciona ocupação e qualidade da água é de grande importância, uma vez que apenas 4% do esgoto de Ilhabela é coletado e, deste total, apenas 10% são tratados segundo dados da Sabesp (2010) e da Cetesb (2009).
Vivian concluiu que valores inferiores a 70% de cobertura florestal nas bacias hidrográficas, seja montante ou jusante, geram um ponto crítico, em que a degradação é grandemente acelerada, ocorrendo uma perda de 40% dos serviços ecossistêmicos relacionados aos recursos hídricos. Mais grave, talvez, seja a constatação de que essas perdas não estão ligadas apenas à manutenção dos 30 metros de mata ciliar em cada lado dos fluxos d’água previstos na legislação, mas à conservação da floresta como um todo. Por isso, diz ela: “Constatamos que a qualidade da água depende não apenas da manutenção da mata ciliar, mas exige um olhar sobre toda a microbacia para que não ocorra diminuição tão expressiva de serviços ecossistêmicos hídricos. Não há dúvida de que o Parque, que se estende pela maior parte da ilha, cumpre muito bem os objetivos de conservar os recursos hídricos, para sorte da população”.
Resultados
Um dos objetivos dessa linha de pesquisa é o de fornecer subsídios para auxiliar os planejadores ambientais e contribuir para a tomada de decisões dos gestores públicos. A professora Rozely enfatiza, entretanto, a importância de algumas outras contribuições dos trabalhos. A primeira delas é a constatação de que quantidade de floresta não é sinônimo de qualidade, fundamental quando se sabe que no Brasil áreas de conservação são definidas com base na quantidade de florestas. A segunda refere-se ao estabelecimento de uma forma de comparação que possibilita mostrar para a população, através de um índice extremamente simples, quanto as interferências humanas ao longo da historia causaram de perdas.
“O dado não se atém a valores monetários, mas mostra a distância em relação à situação original. Se, em uma comparação hipotética, atribuirmos a uma situação original o valor um, o eventual 0,2 de hoje permite que o cidadão se dê conta da perda, e isso ajuda no debate com a comunidade”, afirma ela. A terceira diz respeito à caracterização das interferências e às pressões das fronteiras sobre a floresta, nem sempre levada em conta, e que podem determinar sua extinção inexorável. A quarta, que ela considera o ponto crítico, está ligada à quantificação da perda de serviços: “Perder 40% de um serviço ecossistêmico é muito drástico para uma população e esse ônus só pode ser evitado em Ilhabela com a manutenção de 70%, ou mais, da floresta”. O estudo mostra que, para essa ilha, com 86% das atividades econômicas ligadas ao turismo, a manutenção dos serviços hídricos e florestais é primordial para a sobrevivência socioeconômica da população local.
Fonte: Portal Barão Geraldo
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